Estou um pouco cansado, confesso, de tantas discussões e pesquisas sobre a Classe C e, mais recentemente, sobre a Classe D. Ficamos do alto de escritórios muito bem mobiliados e com ar condicionado lançando visões definitivas e descrições detalhadas sobre “eles”. Mais precisamente sobre “elas”, porque atualmente há um fascínio contagiante no mercado pelo público feminino das “classes populares”, estas mulheres quase que rasgadas de uma página de folhetim das revoluções culturais socialistas que carregam nas costas a sobrevivência de toda uma nação. Falta só a Internacional tocar ao fundo e materializar-se na nossa frente uma daquelas campesinas determinadas e duras. Mas, cuidado, este é o perfil de uma parte da Classe D, porque quando esta mulher consegue ascender um pouquinho na escala social, ela se transforma em uma ávida consumidora de cosméticos e shampoos, que se acha bonita e se preocupa com sua beleza. É como se uma transmutação ocorresse junto com o recém-adquirido poder aquisitivo. A própria Cinderela e sua abóbora / carruagem. Mas aprendemos que esta mulher não sonha, não ama, não compartilha de sentimentos, impulsos e motivos tão ancestrais quanto a natureza humana.
Quem são eles? nos perguntamos. Quem são estes seres? Como em todo mercado, rapidamente se multiplicam os “donos” da Classe C, os detentores dos canais, dos veículos e dos segredos que abrirão as portas de um mercado fantástico e bilionário. Joga-se o bom-senso no lixo, espera-se que os arautos deste novo povo se manifestem. Afinal, como podemos saber o que “eles” querem, comem, ouvem, pensam, amam? esquecemos o fundamental. Esses novos consumidores são, antes de tudo, gente. Pessoas de carne e osso que têm reações e manifestações tão humanas e legítimas quanto as nossas. O que é preciso, fundamentalmente, é encará-los como tal. De igual para igual.
Não quero aqui reduzir a importância de pesquisas e estudos. Acho que pesquisas etnográficas são bastante interessantes para compreender qualquer público. Porque ninguém acha que é necessário fazer uma pesquisa etnográfica para entender a classe AAA? Afinal, todos nós sabemos tão bem assim como vivem os milionários brasileiros? o que move suas decisões de consumo, seus hábitos?
E como vive a classe B? o que ela assiste, onde ela vai, o que ela compra? Mas é bacana ir até uma casa pobre, conversar com uma família, fazer umas fotos, de preferência de canecas de lata de molho de tomate e de mofo na parede, com muito fio aparente. Como os turistas que vêm visitar as nossas favelas. Fazemos safáris mercadológicos às terras da Classe C/D. E criamos uma nova modalidade de pesquisa: o empregada monitor. “Perguntei pra minha empregada”, “minha empregada me disse” viraram dogmas proferidos com frequência nas salas de reunião. Não que a palavra da empregada não conte, mas o que questiono é esta percepção da parte pelo todo. Como se todas as mulheres das classe “populares” fossem iguais. Pensassem do mesmo jeito. Afinal, são “empregadas”.
Uma boa leitura sobre este tema encontrei nesta coluna: http://www.cartacapital.com.br/politica/o-que-quer-a-classe-c
Vale a pena. Me fez lembrar um trabalho já de alguns anos (antes desta explosão da classe C) sobre habitação popular para um cliente. Uma das coisas com que nos deparamos foi um destes programas de pintar as fachadas das casas nas favelas de cores berrantes, para ficar parecido com a Boca na Argentina. Desde a década de 50 eles não dão certo no Rio – quando tentaram pintar as favelas de amarelo – e não darão certo por aqui. Porque são impositivos. São concebidos a partir de um olhar bem-intencionado, mas de fora para dentro. Você gostaria se a prefeitura chegasse um belo dia e dissesse: olha, agora vamos pintar sua casa! escolha uma destas cores, para ficar dentro da palheta que projetamos! temos verde limão, amarelo cítrico, laranja, rosa choque...por que você iria querer pintar de branco? que sem graça!
A mesma reflexão a gente pode fazer para o mercado do Nordeste, esta pátria da Classe C que fica a algumas centenas de quilômetros de distância, separado de nós do sul por caminhos insondáveis. Mas fica para uma outra vez.
Por enquanto, depois de tanto desabafo, e em homenagem ao calor de um final de tarde de inverno que mais parece verão, uma taça de Miolo Brut Rosé para mostrar que classe C também pode ser feliz!
Mauro, esse é exatamente o meu sentimento.
ResponderExcluirAs agências querem interpretar uma sociedade com uma diversidade cultural gigantesca a partir de uma série de números, sentados em salas de reunião na Avenida Faria Lima ou na Paulista em São Paulo. E é surpreendente imaginar que eles querem acertar ainda!
Acredito em marketing como sendo 90% um processo social de "entendimento" e "atendimento" dos anseios da sociedade. Daí imaginar que algumas perguntas vão decifrar os hábitos dessa sociedade, parece ilógico.
Qual dado pode colher o que resultou dentro de cada família a experiência de privação de consumo que a maioria dessa população passou desde a década de 80 até meados da década de 2000?
Acredito que as pesquisas possam revelar as características dessa população, mas não da forma simplória e quantitativa que estão sendo feitas hoje.
Nós vivemos a geração das "generalidades", ninguém estuda um tema com afinco como os intelectuais faziam tempos atrás. Nós encontramos meia dúzia de dados e generalizamos. Generalizar é a filosofia mais fácil e barata que já existiu e mais utilizada hoje. Generalizamos sobre religião, criminalidade, sociedade, cultura, Classe C, política, futuro do Brasil, etc.
A Generalidade é químico, nosso cérebro foi feito para tal, dizem que nos ajuda a tomar decisões, mas com a suposta evolução da nossa espécie, afinal temos cerca de 200.000 anos, deveríamos ter aprendido a lidar racionalmente com essa questão, assim como conseguimos ser fiéis, quero dizer alguns conseguem, dominar diversas artes, etc.
Sou nordestino, fui classe C durante alguns periodos da vida e vejo pouca ação de marketing impactando realmente essa classe.
Muitos estão conseguindo desfrutar dos louros de explorar essa classe, porém todos terão que lidar com a inadimplência que está vindo como brinde.
Haverá um tempo em que clamarão: Sustentabilidade, sustentabilidade, sustentabilidade...